A Beleza que Conduz a Deus: Roma e a Vocação da Igreja
Patrícia Castro
8/30/20254 min read
Em maio deste ano, eu e meu marido, acompanhados de dois casais de amigos, visitamos a Itália pela primeira vez. Ficamos impressionados não apenas com a riqueza cultural do país, especialmente de Roma, mas sobretudo com a grandiosidade e a beleza dos templos católicos, construídos com tanto cuidado e detalhes. Ali percebemos que nossos antepassados dedicaram tempo, recursos e muito esforço para deixar uma herança que vai muito além da ornamentação: através da arte gloriosa, mostraram um verdadeiro caminho para Deus.
Roma, com cerca de mil igrejas, impressiona pela quantidade e diversidade de templos. É possível encontrar uma igreja em cada esquina, e cada uma guarda uma beleza singular que toca o coração e eleva a alma. Algumas são discretas por fora, mas revelam no interior uma riqueza pedagógica: assim também deve ser o nosso coração, humilde na aparência, mas cheio de fé e beleza interior.
Ao longo da história, em todas as culturas, a humanidade sempre buscou o belo. Seja na música, na pintura, na arquitetura ou na natureza, somos naturalmente atraídos pelo que encanta os sentidos e engrandece o espírito. A Igreja ensina que essa atração não é mera estética: é sinal do divino, reflexo da bondade e da ordem de Deus. A beleza nos atrai como nos atrai o caminho do conhecimento e da aproximação a Deus que nos criou.
Desde Platão até Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, reconheceu-se que beleza, verdade e bondade estão unidas. Ao contemplar uma catedral gótica, um vitral medieval ou a harmonia de um canto gregoriano, nossa alma se eleva e a experiência estética se torna porta para o divino. O filósofo britânico Roger Scruton resumiu bem essa ideia:
“A beleza deve, portanto, ser comparada à verdade e à bondade, um membro de uma tríade de valores supremos que justificam nossas inclinações racionais”.
A Igreja como Guardiã da Beleza
Olavo de Carvalho, filósofo e escritor (1947-2022), afirmou que "A Igreja espalhou mais beleza pelo mundo do que todas as civilizações antigas reunidas. Sem isso, certos sentimentos que hoje são usuais e corriqueiros jamais teriam entrado no coração humano". Ao longo dos séculos, a Igreja se dedicou a preservar e promover o belo, transmitindo-o como expressão do divino, mesmo em tempos de crise cultural. Catedrais, ícones, vitrais, mosaicos e a liturgia transcendem a função de meros adornos, atuando como linguagens universais. Elas ensinam, tocam o coração dos fiéis e revelam ao mundo a vivacidade e a verdade de Deus, em contraste com a inércia dos ídolos.
A tradição católica sempre vinculou beleza, verdade e moralidade: o belo orienta para o bem, educa o olhar e o coração e conduz à virtude. Por isso, a arte sacra, a música litúrgica e a arquitetura dos templos buscaram proporção, luz e harmonia. Nunca se tratou de ostentação, mas de pedagogia espiritual, um convite à santidade. Como lembra Scruton, quando a arte se afasta da verdade, degenera em kitsch¹ ou vazio.
“Talvez a degeneração da beleza em kitsch venha precisamente da perda pós-moderna da veracidade, e com ela, a perda da direção moral”.
A Cultura do Feio
Se o bem também é belo, por sua vez, o mal também é feio, e hoje vivemos na cultura do grotesco. O relativismo filosófico corroeu a percepção do que é verdadeiramente belo e sagrado. Em vez de contemplar ordem e harmonia, muitos se entregam à desordem e ao exagero: músicas de baixo nível, muros pichados, corpo coberto de tatuagens e piercings, cabelos e roupas que profanam a perfeição criada por Deus.
Quando o corpo, criado à imagem e semelhança de Deus, é degradado, a alma também sofre. Uma sociedade incapaz de distinguir o belo do grotesco perde o contato com Deus, fonte de toda beleza. Essa decadência estética é também espiritual, alimentada por correntes modernas, como a Escola de Frankfurt, que contribuíram para desconstruir valores e banalizar o belo no Ocidente.
A Pedagogia do Belo Hoje
Theodore Dalrymple, psiquiatra, ensaísta e escritor britânico, em A Defesa do Preconceito, observa que sua geração foi a última a ter professores cujo maior objetivo era formar nas crianças os “preconceitos corretos”. Para ele, alguém sem preconceitos era incapaz de discernir o certo do errado, o feio do belo, a verdade da falsidade. Os pedagogos entendiam como missão ajudar as crianças a desenvolver um senso estético — algo essencial para a vida moral e espiritual.
Ainda hoje, pensadores católicos recordam a força da beleza. O livro Arte: Educando pela Beleza, de Diogo Cruxen, mostra como a experiência estética pode ser caminho de autoconhecimento e crescimento espiritual.
Em tempos de degradação cultural, quando os valores são relativizados e o sublime é substituído pelo banal, a arte católica se ergue como um bastião de resistência. A beleza, longe de ser um luxo supérfluo, é uma necessidade profunda da alma humana — um reflexo do eterno que nos chama à contemplação do divino.
Se herdamos séculos de esplendor artístico e espiritual, por que aceitar entregar aos nossos descendentes uma estética marcada pela feiura e pela desconexão com o sagrado? Isso não é apenas irracional — é uma ruptura com a nossa própria identidade.
A cultura do feio revela mais do que uma crise estética; ela denuncia a perda da capacidade de contemplar o mistério, o transcendente, o que nos eleva. Roma, com suas igrejas majestosas, afrescos celestiais e esculturas que parecem respirar fé, testemunha que a verdadeira beleza é perene. Ela não envelhece — conduz. E seu destino é Deus, fonte de toda harmonia e plenitude.
¹ Kitsch: arte ou objetos de gosto inferior, exagerado ou sentimental, que buscam impressionar superficialmente, sem profundidade estética ou moral..


Basílica de São Paulo Fora dos Muros, onde está enterrado o corpo do Apóstolo Paulo.

