A Eucaristia e a Vida Interior: Por que o Dom de Línguas Não Substitui o Sacramento

Patrícia Castro

8/26/20254 min read

Muitos irmãos acreditam que o dom de línguas representa a experiência mais profunda da fé cristã. Eu costumava orar em línguas durante os cultos, mas nunca percebi nada de extraordinário na prática, porque, como não tenho o dom de interpretar, muitas vezes não sabia se estava inventando palavras ou apenas repetindo um padrão de oração copiado de outras pessoas.

Confesso que, sempre que o pastor pedia para orar em línguas, vinha à minha mente a passagem de 1 Coríntios 14:27-28:

“Se alguém falar em língua, que haja dois ou, no máximo, três, e cada um por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, que a pessoa fique em silêncio na igreja, falando consigo mesma e com Deus”.

Portanto, sempre me soou estranho toda a congregação orar juntos em línguas estranhas, sem que ninguém entendesse nada. Para mim, isso parecia a torre de Babel.

Recentemente, o padre José Eduardo, em um debate com o pastor Tassos no YouTube, (https://www.youtube.com/watch?v=mQRx1epMpMs&t=31s) explicou que o dom de línguas em Pentecostes trouxe a unidade que, nos tempos de Babel, havia sido perdida. A torre de Babel separou os povos, mas as línguas em Pentecostes restabeleceram a unidade da Igreja. Foi revelador para mim.

Sei que a oração em línguas é muito presente no movimento carismático, mas vejo nela uma forte influência protestante dentro da Igreja Católica. A liturgia é tão rica em beleza e o mistério da Eucaristia tão profundo, que a verdadeira intimidade com Deus se revela de modo mais transformador no silêncio contemplativo do que nos apelos emocionais imediatos. Diferente das experiências comuns em cultos, onde toda a congregação ora em línguas, acompanhada de músicas envolventes, emoções intensas e manifestações externas, na Eucaristia o encontro com Cristo ultrapassa os sentidos e conduz à união interior.

Penso que o ideal católico é mais profundo: o verdadeiro crescimento na fé não depende de emoções passageiras. Um católico maduro aprende a alimentar sua fé por meio da luz natural da razão e da luz sobrenatural da graça. É essa maturidade que permite caminhar na fé mesmo sem experiências extraordinárias, confiando na realidade objetiva da verdade divina.

Eu, particularmente, não fui atraída pelo catolicismo por sentimentos ou experiências sensacionais. Fui porque encontrei na Igreja a verdade que transforma, e essa verdade exige compromisso, estudo, fé racional e sobrenatural, e coragem para permanecer firme mesmo quando o mundo é hostil. Vivemos em uma época em que o catolicismo só é tolerado se praticado de forma privada e discreta. Em países como Arábia Saudita, Afeganistão, Somália e Coreia do Norte é totalmente proibida a celebração da Santa Missa. Mesmo no Brasil, um país que nasceu católico, já vemos sinais de hostilidade. A fé e a devoção, especialmente em torno da Eucaristia, ainda enfrentam perseguições diretas, como o recente ataque ao sacrário de uma igreja no interior de Santa Catarina e a perseguição de um padre do interior do Pernambuco que afirmou durante a Missa que os orixás não têm poder de salvar o homem. Vivemos a dura realidade de ver o Brasil e o mundo caminhando de volta ao paganismo, lembrando que essa era a situação do mundo antes da Igreja Católica evangelizar os povos.

Voltando à questão central deste texto, no livro Angústia e Paz, Fulton Sheen mostra que a verdadeira paz e a profundidade da vida interior não vêm de experiências emocionais, mas de uma alma centrada em Deus, unida a Ele através da graça. Ele enfatiza que a paz interior surge da confiança plena, do exame de consciência e da adesão à verdade — elementos que se concretizam nos sacramentos da Igreja, principalmente na Eucaristia. Sheen observa ainda que, à medida que os confessionários foram sendo esvaziados, consultórios de psiquiatras e psicólogos foram enchendo, ressaltando a importância vital do sacramento da confissão e penitência para a saúde da alma.

A reflexão de Fulton Sheen se alinha à tradição dos grandes teólogos da Igreja:

Santo Agostinho (séc. IV-V) comenta que, no início da Igreja, o dom das línguas era um sinal visível de Pentecostes, destinado a mostrar que o Evangelho era para todos os povos. Com o tempo, segundo ele, esse sinal extraordinário deu lugar a uma realidade muito maior: a unidade da Igreja na caridade. Ou seja, para Agostinho, a oração em línguas era um dom real, mas o amor é superior.

São Tomás de Aquino (séc. XIII), na Suma Teológica (II-II, q. 176), distingue dois sentidos do dom das línguas: primeiro como milagre missionário, permitindo falar em línguas estrangeiras para evangelizar. Em segundo, como oração mística, que ultrapassa a razão e se dirige diretamente a Deus. Ele ressalta que esse dom não é dado a todos, mas sempre serve ao bem comum.

Portanto, embora o dom de línguas tenha sua utilidade e seja uma realidade espiritual, ele não substitui a profundidade sacramental da fé católica. A Eucaristia, por sua vez, é o centro da vida cristã: o encontro real com Cristo, fonte de toda graça e base de uma fé madura. Os dons que devemos buscar com fervor não são manifestações externas, mas fé, esperança e caridade, virtudes teologais que abraçam todas as dimensões da vida cristã.

Em resumo, o dom de línguas pode ser um recurso espiritual, mas a verdadeira maturidade católica se revela quando a fé é racionalmente fundamentada, sobrenaturalmente iluminada e firmemente enraizada nos sacramentos, especialmente na Eucaristia e na confissão. É nessa adesão que encontramos a paz duradoura descrita por Fulton Sheen, uma paz que não depende de emoções passageiras, mas da presença viva de Deus em nossa alma.

o contraste entre a missa e um culto neopentescostal