Maria é mesmo a Rainha-Mãe da Igreja ou isso é invenção católica?
Patrícia Castro
8/21/20254 min read
Uma abordagem bíblica sobre o tema
Nenhum cristão sério discorda de que o Antigo Testamento aponta para o Novo. Essa é uma verdade reconhecida em toda a cristandade. Contudo, a opção pela livre interpretação das Escrituras, desvinculada da Tradição Apostólica e do Magistério da Igreja, fez com que os reformadores e seus seguidores perdessem a plenitude da verdade transmitida desde os Apóstolos.
Um exemplo claro dessa perda está na forma como os protestantes tratam as figuras femininas da Escritura. É comum que exaltem mulheres como Sara, Rute e Ester — chegando até a dar esses nomes às suas filhas. São, de fato, mulheres respeitáveis, dignas de memória. Mas, contraditoriamente, quase nenhuma honra é dada àquela que, de modo único, ocupa o lugar de Rainha-Mãe no Reino Messiânico: Maria, a Mãe de Jesus e da Igreja.
O exemplo de Sara
Sara é lembrada como esposa de Abraão e mãe do filho da promessa. Mas a própria Escritura revela suas falhas: ela duvidou da promessa de Deus quando ouviu que conceberia na velhice (Gn 18:12), entregou sua serva Agar ao marido para gerar um filho (Gn 16:1-3) e provocou tamanho conflito que Abraão precisou afastar Ismael, considerado “filho da escrava” (Gn 21:9-11). Apesar disso, os protestantes a reverenciam sem dificuldade.
E aqui está a contradição: se Sara, com todas as suas limitações, é honrada com zelo, quanto mais Maria deveria ser reconhecida — a que acreditou sem vacilar na promessa de Deus (Lc 1:38), que trouxe ao mundo o Salvador (Lc 2:7), que sofreu ao pé da cruz (Jo 19:25) e que foi proclamada bem-aventurada por todas as gerações (Lc 1:48).
A instituição da Rainha-Mãe (Gebirah)
Um fato que muitas vezes passa despercebido pelos protestantes é que, no Antigo Testamento, a partir da monarquia davídica, a rainha não era a esposa do rei, mas a sua mãe. Em hebraico, ela era chamada gebirah (“senhora” ou “grande senhora”). Isso ocorreu porque Davi teve muitas esposas, tornando impossível escolher apenas uma como rainha. Por isso, a mãe do rei foi reconhecida como rainha oficial.
Quando seu filho Salomão foi entronizado, sua mãe Betsabéia recebeu dignidade real: “O rei se levantou para encontrá-la, inclinou-se diante dela e mandou colocar um trono para a mãe do rei, e ela se sentou à sua direita” (1Rs 2:19). Em quase todas as listas dos reis de Judá, o nome da mãe é mencionado, sinal de sua importância política, espiritual e intercessora (1Rs 14:21; 2Rs 12:1; 2Cr 22:2 etc.).
Ora, se até mulheres pecadoras foram honradas por serem mães dos reis, quanto mais Maria, a “cheia de graça” (Lc 1:28), deveria ocupar seu lugar no Reino de Cristo, o Filho de Davi. Se os protestantes reconhecem que Abraão aponta para Deus Pai e Isaque para Cristo, por que ignorar a consequência natural: se Jesus é o Filho de Davi, a estrutura de seu reinado segue a tradição davídica — na qual a mãe do rei é a rainha.
Como imaginar que o Filho de Davi, que assumiu a cruz e exaltou sua Mãe no Calvário (Jo 19:26-27), não a honraria também em seu trono celeste? Em Apocalipse 12, vemos a Mulher coroada de estrelas, que gera o Messias e é perseguida pelo dragão — imagem perfeita da Rainha-Mãe que reina com Cristo.
A questão incômoda
Surge, então, a pergunta inevitável: será que os protestantes creem no mesmo Jesus que a Igreja sempre professou? Ou será que teólogos modernos, aproveitando-se da fraqueza de Lutero — que, aliás, tinha profunda devoção a Maria — esconderam deliberadamente a realeza da Mãe de Cristo, apresentando um cristianismo mutilado, um Cristo sem cruz e sem Rainha?
Assim como Eva, pela desobediência, abriu as portas do pecado, Maria, pela sua obediência total a Deus, abriu o caminho da salvação. A tradição cristã a reconhece como a Nova Eva, porque onde a primeira disse “não” ao Criador, Maria respondeu com o seu “sim”: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Se por uma mulher entrou a queda, por outra mulher veio a Redenção, trazendo ao mundo Aquele que esmagou a cabeça da serpente. Em Maria vemos a restauração do plano divino e a maternidade espiritual de toda a humanidade redimida em Cristo.
Talvez o “apagamento” de Maria seja, na verdade, uma maneira de ocultar a verdade mais incômoda de todas: que a santidade é possível a todo coração humilde que, como ela, se rende completamente à vontade de Deus. Não tenhamos medo de saudar a Virgem Maria como nossa Mãe, pois toda honra que lhe concedermos será sempre insuficiente diante da grandeza de sua alma, que se dispôs a sofrer para nos trazer Deus feito homem, e, como nossa Mãe, ela nos guia e ajuda nesse caminho de santificação.
Negar Maria é recusar uma parte essencial do plano de Deus. Foi através dela que o Verbo se fez carne e entrou na história, e foi dela que Cristo nos fez filhos espirituais ao entregá-la como Mãe na cruz. Ao rejeitá-la, perde-se a intercessão daquela que mais intimamente participou da obra da salvação, afasta-se do modelo perfeito de obediência e humildade, e ignora-se a tradição viva da Igreja que, desde os primeiros séculos, a reconhece como a Nova Eva e Mãe da Igreja. As consequências disso são graves: uma fé enfraquecida, que esquece a dimensão da encarnação do Filho de Deus, e um caminhar menos seguro rumo a Cristo, já que Maria é a criatura que mais fielmente conduz os filhos até Ele. Rejeitá-la é, em última instância, desprezar um dos maiores presentes que o próprio Jesus confiou à humanidade.
Enfim, renegar Maria é ignorar a necessidade de santificação; negar sua ajuda é ceder à soberba de quem pensa alcançar o Céu sozinho. Simeão, o Profeta, ao ver Maria apresentar Jesus no Templo (Lc 2:25-35), percebeu a plenitude da graça e a chamou de “Senhora de toda a humanidade”. Deus nos quer filhos de Maria, não de Sara: ela confiou plenamente em Deus, enquanto Sara duvidou.

