Sola Scriptura: A Fragilidade de um Fundamento que Não Resiste à Investigação (Minha Conversão: Parte V)
Patrícia Castro
6/21/20254 min read
Para aceitar o princípio do Sola Scriptura — que afirma que somente as Escrituras são a régua final da fé — é preciso acreditar, implicitamente, que a Bíblia sempre esteve disponível de forma clara, completa e organizada desde o início do cristianismo, em todas as línguas e para todas as nações. Isso implicaria que Deus teria favorecido a era moderna, com sua tecnologia e acesso fácil ao livro sagrado, em detrimento das gerações anteriores que não tiveram acesso direto às Escrituras.
Obviamente, nenhum cristão razoável acredita que Deus seja injusto ou seletivo nesse sentido. O que falta, muitas vezes, é a reflexão e a investigação sincera sobre como a Bíblia, como a conhecemos hoje, chegou até nossas mãos. Por isso, é fundamental entender a história da formação do texto bíblico e o papel da Igreja nesse processo.
Nos primórdios do cristianismo, não existia um livro único chamado Bíblia. Havia, sim, diversas coleções de escritos espalhados por várias regiões, guardados e preservados pela Igreja, frequentemente sob perseguição e risco de martírio. A palavra “Bíblia” significa “biblioteca”, o que já indica que não se tratava de um livro fechado, mas de uma coleção organizada posteriormente.
Foi a Igreja Católica que, por meio de um rigoroso e cuidadoso processo, selecionou, organizou e canonizou os livros sagrados. Este trabalho foi realizado em vários concílios fundamentais:
· Concílio de Roma (382): Definiu o cânon do Novo Testamento.
· Concílios de Hipona (393) e Cartago (397): Confirmaram e reafirmaram o cânon bíblico.
· Concílio de Trento (1545-1563): Reafirmou o cânon e autorizou a Vulgata como tradução oficial.
Portanto, a Bíblia que hoje temos em mãos só existe graças à autoridade e à tradição da Igreja. Embora os textos tenham sido inspirados pelo Espírito Santo, foram pessoas reais — bispos, teólogos, comunidades cristãs — que os preservaram, organizaram e transmitiram. Assim, confiar na Bíblia pressupõe, inevitavelmente, uma confiança mínima na autoridade da Igreja que a reconheceu como Palavra de Deus.
O teólogo Scott Hahn, em sua obra Todos os Caminhos Levam a Roma, também observou um outro ponto. Ao estudar profundamente a doutrina do Sola Scriptura, Hahn percebeu que a própria Bíblia jamais se apresenta como a única fonte de fé. Pelo contrário: São Paulo, por exemplo, ensina que a fé cristã se apoia tanto na Escritura quanto na Tradição oral (cf. 2Ts 2,15). Essa compreensão estava presente desde os primeiros séculos da Igreja.
Caro, leitor, imagine um cristão do século III afirmando que “só aceitava o que está na Bíblia”. Isso seria anacrônico. Mesmo no século XVI, Martinho Lutero só pôde divulgar essa ideia porque a invenção recente da imprensa permitia maior acesso aos textos. Ainda assim, levou séculos até que a posse individual da Bíblia se tornasse comum. Santa Teresinha do Menino Jesus, por exemplo, uma religiosa que viveu na França entre 1873 e 1897, não teve uma Bíblia completa à sua disposição. Apesar de sua intensa vida espiritual e meditação, o acesso ao texto bíblico ainda era limitado por questões como o custo do livro, a dificuldade de impressão, a escassez de exemplares e o baixo índice de alfabetização naquele tempo.
Hoje, é fácil declarar que "somente a Escritura basta", olhando para uma tela de computador ou gravando vídeos para redes sociais. Mas seria interessante ver o mesmo entusiasmo séculos atrás, quando a Bíblia não estava ao alcance das mãos nem em formato impresso, muito menos digital.
Além disso, o princípio do Sola Scriptura falha em proporcionar unidade entre os crentes. Basta observar a enorme diversidade de interpretações entre as denominações protestantes. O próprio Lutero reconheceu que sua tese abriria margem para múltiplas leituras, o que acabou gerando o atual cenário de fragmentação teológica. Quando cada indivíduo se torna sua própria “autoridade final”, guiado por uma suposta inspiração pessoal do Espírito Santo, a verdade cristã se dilui em relativismos e contradições.
Essa multiplicidade de vozes, em vez de refletir a harmonia do Espírito, se assemelha à confusão da Torre de Babel. Em Pentecostes, o Espírito Santo unificou a linguagem e concedeu compreensão mútua. No Sola Scriptura, vemos o oposto: uma multiplicidade de interpretações onde cada um proclama sua própria “verdade”, sem Tradição nem Magistério que sirvam como critério comum.
Afirmar que a Escritura é a única regra de fé, ignorando o contexto histórico e teológico de sua formação, é não reconhecer a verdade sobre suas origens. A Bíblia não caiu do céu pronta, nem foi entregue diretamente a indivíduos isolados, mas nasceu, foi discernida, preservada e proclamada no seio da Igreja fundada por Cristo — a Igreja Católica. Separar a Sagrada Escritura da Tradição viva e do Magistério é mutilar a própria fé cristã. Longe de enfraquecer a autoridade da Palavra de Deus, reconhecer essa realidade a fortalece, pois a insere na continuidade histórica e espiritual do Corpo de Cristo.
Meu amigo protestante, não é a Igreja Católica que ignora a Bíblia; pelo contrário, foi ela quem a reconheceu como Palavra inspirada. Nossa divergência não está na Bíblia, mas em sua interpretação. E enquanto houver múltiplas interpretações privadas, como já se vê nas milhares de denominações criadas a partir da Revolução, haverá confusão doutrinária. Versículos soltos, fora da autoridade do Magistério, podem sustentar qualquer heresia. É por isso que dizemos com convicção: a Bíblia é um livro católico, e só à luz da fé, da Tradição Apostólica e do Magistério da Igreja é possível compreendê-la em sua plenitude e verdade.

